Olá, leitores do “Genealogias”. Aqui é o Isaac Daniel e hoje vamos abordar um tópico que certamente suscita curiosidade e por vezes, mal-entendidos. Estamos falando sobre a lenda segundo a qual os negros não podiam entrar na Igreja Matriz de Santa Luzia, uma lenda que, como veremos, é desmentida por registros históricos.
Com base em um levantamento feito com registros de óbito de 1804 a 1805 (vale frisar que essa análise poderia ser estendida a outros períodos), encontramos evidências claras de que não só negros tinham acesso à Matriz de Santa Luzia, mas também eram sepultados lá, contrariando o que a lenda sugere.
É importante esclarecer que o costume da época era que os sepultamentos ocorressem dentro das igrejas, sendo o atual cemitério do Carmo criado apenas por volta de 1890 por questões de saúde pública. O adro da igreja geralmente era destinado aos sepultamentos de pessoas de menor posição social, incluindo negros e pobres, independentemente de serem brancos ou não. No entanto, a posição social da pessoa ou de seu senhor, em alguns casos, lhes permitia ser sepultados dentro da igreja.
Além disso, é necessário mencionar que os registros de batismo corroboram essa evidência, com inúmeros registros de batismos de negros, inclusive escravos, realizados na Matriz de Santa Luzia.
Um aspecto que chama a atenção nos registros é o uso do termo “forro”. Este termo deriva de “alforriado”, indicando que a pessoa era livre. Isso nos mostra que a comunidade negra na época não era composta apenas por escravos, mas também por negros livres e alforriados.
Um caso que desperta particular interesse é o de “Jacinto, filho inocente de Custódia, crioula escrava de Ignácia da Assumpção, crioula”. Aqui, vemos uma criança negra, filho de uma escrava, cuja senhora também era negra, sendo sepultada dentro da Igreja Matriz de Santa Luzia. Esta é uma clara indicação de que a realidade social e as relações de poder dentro da comunidade negra eram mais complexas do que geralmente imaginamos.
Entre os registros encontrados, vemos menções a indivíduos pardos e crioulos, alguns dos quais eram “forros”, ou seja, livres. A presença dessas pessoas na Igreja Matriz de Santa Luzia demonstra que a lenda de que negros não podiam entrar nessa igreja é claramente infundada.
Convido vocês a explorarem mais a fundo a lista completa dos registros que encontramos, pois cada nome e cada história derrubam ainda mais essa falsa lenda.
Lista de sepultamentos de negros dentro da Igreja Matriz de Santa Luzia (MG)
- Aos dezesseis de novembro de mil oitocentos e quatro dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Eugenia Rodriguez dos Santos parda viúva que ficou de João da Costa Ribeiro a qual faleceu com todos sacramentos.
- Aos vinte e oito de Novembro de mil oitocentos e quatro dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Florencia da Costa Rodriguez parda que faleceu como sacramentos da penitencia e unção.
- Aos dezessete de dezembro de mil oitocentos e quatro dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Bartholomeu Pereira do Valle pardo casado com Anna Maria da Trindade que faleceu com todos os sacramentos.
- Aos vinte e oito de dezembro de mil oitocentos e quatro dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Veronica inocente filha natural de Josefa crioula escrava do Capitão Manoel Gonçalves Giraldo.
- Ao primeiro de maio de mil oitocentos e cinco dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Thereza Gomes de Abreu crioula forra, que faleceu com todos os sacramentos.
- Aos quatorze de janeiro de mil oitocentos e cinco dentro da Matriz de Santa Luzia se sepultou Jozé inocente filho de Margarida crioula filha de Catharina de Souza [não decifrado] na Carreira.
- Aos vinte e cinco de janeiro de mil oitocentos e cinco dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Therez crioula forra solteira vinda da parte da Lapa.
- Aos trinta e um de janeiro de mil oitocentos e cinco dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Jacinto inocente filho de Custodia crioula escrava de Ignácia da Assumpção crioula casada com Sebastião de Tal pardo.
- Aos dois de fevereiro de mil oitocentos e cinco dentro desta matriz de Santa Luzia se sepultou Braz Ferreira crioulo forro pobre que faleceu com os sacramentos da penitência.
- Aos três de fevereiro de mil oitocentos e cinco dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Antonio Rodriguez pardo filho de Romana Rodriguez crioula viúva no Campinho.
Espero que esta exploração das complexidades da história da Matriz de Santa Luzia ajude a iluminar a rica tapeçaria de vidas que compunham essa comunidade. Cada registro é um lembrete de que a história é frequentemente muito mais complexa e interessante do que as lendas simplistas podem sugerir.
Permaneçam com a gente para mais descobertas surpreendentes aqui em “Genealogias”. Até a próxima!