A Revolução Liberal de 1842, que irrompeu em Minas Gerais e São Paulo, é um marco importante na história brasileira. As raízes deste levante estão na intensa luta política entre os partidos Liberal e Conservador, desencadeando uma série de eventos que marcaram profundamente o pequeno arraial de Santa Luzia, atual cidade de Santa Luzia, em Minas Gerais.
Aqui em Santa Luzia, a revolução foi palco de uma batalha intensa, que culminou na chamada “Batalha de Santa Luzia”, travada no dia 20 de agosto de 1842. Esta batalha, entre as tropas revolucionárias lideradas por Teófilo Ottoni e as forças governistas comandadas pelo Barão de Caxias, deixou marcas profundas na cidade e em seus habitantes, que perduram até os dias de hoje.
Como genealogista e historiador hobbista, tenho uma profunda admiração e respeito pela riqueza das histórias que moldaram o nosso presente. No entanto, algumas destas histórias, como as das vítimas dessa revolução em Santa Luzia, muitas vezes ficam em silêncio. No tumulto da guerra, é fácil esquecer que por trás de cada disparo de bala e cada decisão tática, há vidas humanas, cheias de sonhos, esperanças, medos e amores.
Hoje, quero prestar homenagem àqueles que pagaram o preço final durante a Revolução Liberal de 1842 em Santa Luzia. Seus nomes e histórias foram meticulosamente registrados nos documentos da Matriz de Santa Luzia e foram preservados através do tempo.
Em uma análise detalhada desses documentos, contabilizei ao menos 19 registros de óbito associados à Revolução em Santa Luzia. Essas vidas perdidas abrangem uma gama de indivíduos, refletindo a diversidade de pessoas que viviam no arraial na época.
Entre os registrados, encontramos homens e mulheres, jovens e idosos, livres e escravizados. Alguns eram membros do Exército da Legalidade que vieram para lutar, enquanto outros eram habitantes locais que foram pegos na linha de fogo. Todos eles, no entanto, foram marcados pelo brutal conflito que se desenrolou nas ruas da cidade.
Os registros também sugerem que muitos desses indivíduos sofreram de ferimentos por dias ou até semanas antes de sucumbir à morte. É angustiante imaginar a dor física e emocional que devem ter experimentado, além do caos e da incerteza que permeavam o arraial.
Este fato nos remete a uma realidade sombria da guerra: a violência não termina quando a batalha acaba. Pelo contrário, ela se prolonga, deixando um rastro de sofrimento e luto que perdura muito depois de os disparos cessarem.
Em seguida, vou apresentar a lista dos registros para que possamos homenagear, nominalmente, aqueles que perderam a vida em Santa Luzia durante aqueles tumultuosos dias de agosto e setembro de 1842.
Registros de óbito na Matriz de Santa Luzia decorrentes da Revolução Liberal de 1842
- Aos vinte e um de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério deste Arraial de Santa Luzia se sepultou o Capitão Antônio Torquato crioulo forro de cinquenta e tantos anos, que faleceu decorrente da Guerra que se fez neste Arraial.
- Aos vinte e um de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério deste Arraial de Santa Luzia se sepultou Josepha parda casada com [não escrito] da Costa que faleceu de uma bala que levou [não decifrado] de idade de sessenta anos.
- Aos vinte e um de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério deste Arraial de Santa Luzia se sepultou Francisco pardo, filho de Vitoriano Lourenço da Costa que faleceu de vinte anos de idade por ocasião da Guerra em Santa Luzia.
- Aos vinte e três de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois dentro da Igreja Matriz de Santa Luzia se sepultou a [ilegivel] corpos de pessoas do Exército da Legalidade que morreram na Guerra.
- Aos vinte e dois de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério desta Matriz sepultaram dois corpos de pessoas [não decifrado] do Exército da Legalidade que morreram baleados na Guerra.
- Aos vinte e cinco de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério de José Nunes Moreira se sepultou um crioulo de quatorze anos, escravo do Capitão José da Rocha de Souza que faleceu baleado por ocasião do tumulto da Guerra.
- Ao primeiro de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois dentro desta Matriz se sepultou um adulto homem branco que faleceu de uma bala que levou na Campanha que teve em Santa Luzia.
- No dia último de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois no Cemitério deste Arraial de Santa Luzia se sepultou um homem pardo que faleceu por motivo da Guerra aqui em Santa Luzia.
- Aos trinta e um de agosto de mil oitocentos e quarenta e dois dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Joaquim homem branco de vinte e dois anos, filho legítimo de Joaquim Venancio, o qual faleceu com todos os sacramentos e de [não decifrado] bala que levou na ocasião da Guerra segundo informou seu dito pai.
- Aos quatro de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois dentro desta Matriz se sepultou um adulto que faleceu baleado da ocasião da guerra em Santa Luzia.
- Aos seis de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no adro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Venancio pardo que tinha vindo na Legalidade bater neste Arraial na ocasião da Guerra.
- Aos sete de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no adro desta Matriz se sepultou um adulto pardo que tinha vindo no Exército da Legalidade bater este Arraial e aqui faleceu neste Arraial de Santa Luzia
- Aos dez de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no adro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou João Paulo pardo casado que [não decifrado] deste Arraial por ocasião da Guerra e aqui se apresentou doente e morreu.
- Aos doze de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no adro desta Matriz se sepultou um adulto cabra que veio no Exército da Legalidade deste Arraial de Santa Luzia e aqui faleceu.
- Aos doze de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois dentro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou Joaquim moço branco adulto que faleceu com os sacramentos [não decifrado] vindo como Soldado no Exército da Legalidade que veio bater este Arraial.
- Aos quinze de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no adro desta Matriz de Santa Luzia se sepultou um adulto que veio no Exército da Legalidade e faleceu no Hospital deste Arraial.
- Aos desessete de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no cemitério deste arraial de Santa Luzia se sepultou dois adultos pardos, os quais tinham vindo a este arraial como Soldados da Legalidade na ocasião da Guerra.
- Aos vinte nove de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois no cemitério deste Arraial se sepultou João Paulo vindo da parte de longe por ocasião da Guerra neste Arraial e aqui enfermo morreu.
É com profundo respeito que recordamos estas vidas, marcadas pela coragem e pelo sacrifício durante um dos eventos mais turbulentos da história do Brasil. Cada um deles, seja combatente ou civil, jovem ou velho, escravo ou livre, tem uma história a contar. São estas histórias que compõem a rica tapeçaria da nossa história e cultura, e é nosso dever preservá-las e honrá-las.
No “Genealogias”, nossa missão é trazer essas histórias à luz, para que possamos entender melhor o nosso passado e, assim, entender melhor o nosso presente. A Revolução Liberal de 1842 em Santa Luzia não é apenas uma história de política e conflito, mas uma história de pessoas – pessoas que amaram, sofreram e, finalmente, deram suas vidas. A história de Santa Luzia, assim como a nossa própria história, é feita dessas vidas. Elas são a verdadeira herança da nossa cidade.